Orientação Etária Não-Binária

Para tentar entender o mundo eu sempre comparo o atual com três gerações atrás, a geração dos meus avós. Tinha dó quando ouvia as história da minha avó materna Ruth, nascida em em 3 de março de 1923. Ela brincou até os quatro ou cinco anos de idade e depois nunca mais. Teve uma única boneca, de louça, vinda do estrangeiro, muito cara e bonita – ela conta – mas que escorregou de sua mãozinha rachando a cuca e engatilhando infinitas broncas de minha bisavó Minervina. Acho que a boneca escalpelada foi a primeira lembrança de vovó. Logo começou a trabalhar e dominava o serviço doméstico da casa, sua mãe estava sempre ocupada dando a luz a um filho atrás do outro, totalizando oito irmãos mais novos.

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Mesmo com essa vida minha avó foi melhor instruída que a maioria dos universitários. Instruída na leitura e escrita, digo. Com relação a sexo e todas as suas ramificações, que passou a ser o assunto mais discutido em qualquer faculdade de humanas, ela teria tirado zero. Casou sem saber como eram feitos os bebês.

As crianças atuais sabem tudo sobre essa questão – tanto na teoria quanto na prática – e também alguma coisa sobre tecnologia, reciclagem, espécies em extinção, cultura que não é cultura. arte que não é arte, música que não é música, além de acreditarem piamente que vão salvar o planeta, mesmo sem possuírem conhecimento básico como: o ovo vem da galinha, o leite da vaca, os nuggets vem do frango, um homem de tamanco e maquiagem não é uma mulher, etc.

Pior que que elas são os adultos desse século. Diariamente vejo conhecidos de quase quarenta anos postando suas fotos na Disney, ora com orelhas gigantes do Mickey, ora com o diâmetro labial maior que o de uma jaca no loop da montanha russa. Mas não são totalmente desprovidos de qualquer valor e responsabilidade, já são pais. Pais de pet.

Fico pensando se todas essas propagandas no instagram sobre livros de colorir e massinha de modelar para adultos não são obras de engenharia social ou apenas o resultado de uma infância sem trabalho e hiper-sexualizada.

Eu tinha dó da minha avó, mas hoje tenho dó de nós mesmos. Minha avó foi feliz, a vida dura nunca foi um empecilho à felicidade. A última década mostrou os menores de idade mais suicidas que eu já tive notícia. Antigamente tínhamos crianças com deveres de adultos e adultos. Hoje temos crianças com direitos de adultos e adultos com deveres de crianças.