O Nó de Víboras é um livro cuja narrativa carrega o leitor junto ao fluxo de sentimentos do narrador-personagem. Primeiro à angústia, à mágoa, à raiva e depois à clareza e à paz. É uma espécie de retrospectiva dos momentos mais dolorosos de uma vida autista e truncada. Através de carta movida por vingança, um pai de família próximo à morte expõe todos os pormenores que o moldaram monstro, porém, que o processo de escrita em si, o confronto com a miséria da sua vida pessoal, transforma em humano novamente.

A carta é destinada à esposa, quem ele pretendia ferir com um golpe final, só que dessa vez de forma aberta e verdadeira, expondo tudo o que ele sentiu, pensou e a motivação de seus atos. Luiz é um velho rico e avarento, que despreza todos e é temido por todos. Ele sabe que seus familiares estão esperando ansiosamente sua morte para obterem a partilha, e planeja uma última vingança, que é o objetivo concreto da carta: comunicar que nenhum deles receberá herança.

O ovo da serpente, a primeira víbora que deu a luz a todas as outras, foi a decepção com sua mulher. Logo no primeiro ano de casamento ele supõe que Isa não o amava, tira essa conclusão por uma conversa na qual ela confessa ter sido abandonada pelo último pretendente e seus pais estavam convencidos de que por isso nunca arranjaria marido. O rancor envolve Luiz e ele passa as próximas décadas sendo desagradável e traiçoeiro sempre quando pode. Picadinhas de veneno que se estenderam da mulher para todos os filhos. Já que não era amado ele fez de tudo para ser odiado.  A medida que o tempo passava alargava a distância entre si e cada qual havia na casa. A única que sobrevive à carranca do pai é Maria, a mais nova, única que possuía por ele algum afeto. Sobreviveu a isto, mas não à febre. Faleceu aos seis anos de idade. Outro personagem por quem ele teve afeto, foi seu sobrinho, mas este morreu também, na guerra. Passou a vida assim, perdendo todos os poucos quem amava.

A morte de Maria, no entanto, foi a primeira fresta para abertura espiritual do pai, que sempre foi mais ateísta praticamente do que ateu – apenas mais uma das formas de se divertir atazanando a esposa carola. Ele sentia Maria viva, sabia que ela era mais que um corpo, e nisso, demonstrava mais fé que Isa.

Luiz tinha uma carreira exemplar e um orgulho tão imenso quanto seu dinheiro. O livro mostra como nenhuma dessas coisas tem peso com a proximidade da morte. Durante seu processo terapêutico – a escrita da carta-diário – ele se dá conta que todos os bens materiais que ele obtivera não tinham real importância, ele só ansiava por uma coisa: amar e ser amado, sendo exatamente o reflexo inverso de seus filhos, noras, genros e netos: condenava-no, e se julgavam superiores, mas seus corações estavam tomados pelos desejos e sentimentos medíocres.

Cada relação de casal formada naquela família parecia ter por base a esperança da partilha. O pior de todos, Phylip, casado com uma das netas, era o que menos se preocupava em esconder essa intenção. Apesar disso, ele acaba surpreendendo a todos quando decide fugir com uma mulher pobre. Ele e Luiz tem isso em comum, são julgados os piores, os mais superficiais, mas no fundo queriam coisas mais elevadas. O livro mostra isso, às vezes os maus são superestimados em sua baixeza.

A morte de Isa, quebrando a expectativa dos que ansiavam por enterrar primeiro Luiz, fê-lo desistir da vingança e também desistir de seu dinheiro. Entregou tudo as filhos antes do tempo, não queria mais nada, não precisava de mais nada. Sentia uma paz consigo mesmo, e não se importava mais em ser odiado pelos filhos que acreditavam que a guinada era justificada por mera falta de tempo ou planejamento para sumir com o dinheiro. Apesar disso, ele e a neta que havia sido abandonada por Phylip se aproximam, e os dois vivem juntos até seu último dia de vida. É a única que o conhece de verdade e testemunha sua mudança de caráter.  O nó do coração de Luiz é desatado.

 

Leave a comment