Arrazoado: Os Maias

Os Maias – Eça de Queiroz

Lassidão talvez seja a melhor palavra para descrever a vida dos personagens de Os Maias ou pelo menos a sensação que essas causaram em mim. Não que não houvesse altos e baixos na trama, que de fato não era linear, mas mesmo os momentos de êxtase não perfuraram a camada plástica e superficial que os envolvia. Nos quesitos moral, intelectual, social os personagens eram todos baixos ou quando muito, nulos. Um livro sem heróis, sem santos, sem a quem admirar, o que trouxe um sentimento de familiaridade. Não pareciam europeus, pareciam brasileiros.

Os principais esportes da elite lisboeta eram os jogos de carta, o dominó, esgrima e comer mulher do próximo – e quase que em sua maioria absoluta, quanto mais se comia mais afeição se ganhava do marido traído. Nesse aspecto a high life era tradicionalíssima: as mulheres desejadas eram sempre casadas e com amigo próximo. Não sei por onde andavam as solteiras. Nas raras vezes que uma surgia, logo se casava para virar amante de outro.

São mostradas três gerações de da Maia: Afonso da Maia, o avô; Pedro da Maia, o filho; e Carlos Eduardo da Maia, o neto – e duas tragédias que resultam em morte. A primeira é quando Pedro se casa com uma prostituta, de espírito mas não de profissão declarada, e quando Maria Monforte foge com um amigo íntimo, ele volta para o casa do pai e comete suicídio em seu quarto de solteiro. Já Carlos Eduardo se envolve com Maria Eduarda, uma prostituta de profissão mas não de espírito. O que poderia ter sido superado não fosse a revelação de que ela era irmã de Carlos, a que foi levada pela mãe na fuga, e isso acaba por matar o avô, Afonso, de desgosto.

Afonso da Maia é um dos poucos personagens cuja moral está um pouco acima da linha geral. Cria o neto tentando corrigir a educação que fora dada ao filho, cria-o para que ele seja forte, na esperança que ele não caia nos mesmos erros do pai. Porém sem efeito, as paixões desenfreadas dos da Maia também eram tradição.

Maria Eduarda é outro personagem que não bóia na superficialidade da nobreza portuguesa. Casa-se nova para fugir da rotina de festas e amantes da mãe, quando fica viúva vira acompanhante do brasileiro Castro Gomes para salvar sua filha da fome. Quando Carlos é avisado por Castro Gomes que ele não poderia ser amante de Maria Eduarda pois ela não era sua esposa, mas sua prostituta – uma das melhores cenas do livro, Carlos tem o desejo imediato de terminar o relacionamento, é tomado por um profundo sentimento moral, que dentre as circunstâncias é extremamente imoral. O seu rancor era principalmente movido pela pressão social que viria desse escândalo. Para Carlos Eduardo, se Maria Eduarda fosse a esposa que abandona seu marido, não haveria mal, mas já sendo solteira e prostituta, era inaceitável. A hipocrisia, como não poderia deixar de ser, é bem retratada. A relação que Maria Eduarda tinha com o seu “cliente”, Castro Gomes, era idêntica a que todas as condessas e pomposas mulheres da high society tinham com seus maridos: apenas um meio de desfrutar de uma vida luxuosa. A diferença estava num pedaço de papel, numa aliança e na recusa ao “pagamento” assim que se entregou a Carlos. Substancialmente eram todas prostitutas, mas Maria Eduarda é o única que em algum momento deixa de ser.

Dâmaso é o retrato esculpido em carrara do puxa-saco desajustado, que tenta a todo custo fazer parte do grupo dos “bons”. Gordo, covarde e assexuado. Um mentiroso compulsivo tanto para os outros quanto para si mesmo. Vive como uma esponja que tenta absorver do seu meio social todos os gostos, costumes, comportamentos que ele considerava “de um chic a valer”, o que não exclui a prática do adultério, na qual, porém, ele falhava irrestritamente.

João da Ega, o melhor amigo de Carlos, hoje em dia seria o típico universitário de um curso de humanas: sustentado pela mãe, ateu e progressista. Ele é uma espécie de entertainer da vida bohêmia. Cria para si uma áurea de intelectual excêntrico, gosta de dar opiniões não ordinárias, de surpreender e fazer graça. É o autor de “A Biografia de um Átomo”, um livro inacabado que não sei sobre o que se trata, nem ele mesmo e talvez nem saiba Eça de Queiroz. Ao longo da história é possíver ver apenas um sinal de atitude salutar, quando ele se depara com o clímax: Carlos está dormindo com a própria irmã. Ega, então, decide revelá-lo por não suportar ser cúmplice de um segredo tão “indigesto”. Há um senso de moralidade nele, talvez um resquício da educação cristã e que certamente faltou a Carlos.

Carlos Eduardo da Maia parece um pouco superior aos demais, por ser mais caridoso, simpático e sociável. Porém, isso são apenas normas que ele segue como uma cartilha de boas maneiras aprendida em algum curso de cavalheiros. Carlos não sabe amar. Uma paixão, por Maria Eduarda, que logo se desfez como todas as outras, um desejo meramente carnal custou a vida da única pessoa que fez por ele durante a vida, seu avô. Mesmo já ciente que estava cometendo incesto, Carlos se deita com Maria Eduarda. É apenas quando o seu desejo sexual se abranda que ele toma a decisão de deixá-la, puro egoísmo.

O final do romance é o ápice da languidez de toda a história. Carlos e Ega resolvem viajar pelo mundo para acalmar os ânimos, voltam para Lisboa após muitos anos e concluem que na vida nenhum esforço vale a pena. Eles concluem isto sem nunca terem feito sequer um. A última cena são os dois correndo atrás de um bonde ou coisa que o valha para não chegarem atrasados a jantar. A meu ver, é uma imagem usada para mostrar a pobreza de espírito dos personagens, que estão sempre à mercê das circunstâncias, sendo levados pela maré, pelo bonde.

Os Maias é belíssimamente escrito, pena que sobre vidas incrivelmente vazias.