problema com palavras

Já há algum tempo eu tenho notado esse problema brasileiro com as palavras. A gente inverte a lógica das coisas. Em vez de usar as palavras para sua função primordial: descrever a realidade, não, a gente molda a realidade para se encaixar com as palavras, ou pior, usamos as palavras erradas pois temos medos das certas. Como se o simples uso de um termo fosse mudar o fato.

Isso fica bem evidente em relacionamentos. E em relacionamentos é ainda mais fácil observar que é algo que parece só existir nas terras da tupinicagem. Por exemplo, fora daqui, se você está saindo com alguém, se essa pessoa está incluída nos seus círculos sociais, se é exclusivo, logo vocês estão “namorando”. NÃO! No Brasil existem namoros de uma semana e ficadas de 10 anos. Não importa a realidade, você só sabe se está namorando se ambas as partes esclarecerem verbalmente que estão na.mo.ran.do.

Comecei a pensar nisso quando uma amiga francesa contou algumas histórias e me perguntou:

– Por que vocês são assim?

E eu prontamente respondi:

– Eu não sei.

Mesmo não sabendo os porquês foi ótimo perceber essa discrepância com relação a outra cultura. Por que não usamos as palavras para descrever a realidade e por que assumem maior importância do que ela? Chamar um namoro de namoro vai mudar alguma coisa no relacionamento? Chamar uma rasteira de carinho, faz doer menos? Chamar merda de flor muda o seu cheiro? Para o brasileiro parece que sim. A gente chama até a Dilma de presidente..

Isso causa uma confusão dos diabos. Lembro de outra amiga, também francesa, que teve uma das maiores decepções aqui no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, mais precisamente com um carioca. Estavam há dez meses juntos, se viam quase todos os dias, viajavam juntos, passaram natal juntos: ela, ele e todos os cinquenta familiares dele.. Até que ela descobriu que ele tinha outras. Um pouco antes de descobrir que não precisava se preocupar porque, afinal, ele nunca tinha mencionado “namoro”, ou seja, pela lógica brasileira de merda eles eram apenas ficantes e portanto não-exclusivos. Consigo imaginar a confusão mental provocada na pobre mente parisiense da minha amiga. Como ela poderia imaginar que uma palavrinha pudesse mudar toda um relacionamento? Que nenhuma das atitudes e vivências tinham real valor sem possuir um status?

Talvez isso explique por que estamos tão ofendíveis, o motivo de uma declaração do Ed Motta conseguir atingir o ego da tupinicagem muito mais do que atitudes sórdidas de pessoas que realmente importam pois podem afetar nossas vidas. A sensação que fica é que somos estúpidos. (Essa última frase é também um teste. Vamos ver quantas pessoas vão se afetar por ela)

Fica a dica para as duas ou três pessoas que acessam esse blog. Após a troca de alianças confirme que aquele é um “casamento”, para não dar margem para o outro pensar que aquela é apenas uma cerimônia para comemorar uma ficada de 10 anos.